DANCANDO COM A MORTE - SOBRE O VIVER E O MORRER

KEIZER, BERT
EDITORA GLOBO

39,00

Indisponível

Dançando com a morte – Sobre a vida e a morte, do médico holandês Bert Keizer, em competente tradução de Ana Ban (a partir de versão em inglês do próprio autor), é um livro surpreendente. Tão surpreendente quanto a visão que apresenta da morte. A morte, para o senso comum, pode ser mais ou menos resumida numa equação: corpo + tristeza = morte. Se se trata de um crente, junta-se uma subtração: corpo – alma + tristeza = morte. Resta apenas acrescentar a variável acidente/doença/velhice (ou, mais raramente, assassinato e suicídio) como causa, razão, motivo ou explicação. Nada disso, porém, trata da morte, e sim da pós-morte. Do resultado da morte. A morte, na verdade, é o que antecede a morte. A morte é o morrer. O livro do Dr. Keizer não trata afinal da morte, mas do morrer. Morrer, porém, neste caso não se confunde com as causas da morte, ou seja, a tríade acidente/doença/velhice? O livro, então, seria apenas a descrição do trabalho de um médico. Seria, se o Dr. Keizer fosse um médico comum. Ele o é, de fato, no dia-a-dia profissional. Mas não o é absolutamente, na sua visão da medicina – ou melhor, da impotência da medicina. Em parte, porque o Dr. Keizer não trabalha num hospital, mas numa casa de repouso, instituição em que os pacientes estão para morrer. Ou porque são muito velhos, ou porque têm doenças incuráveis. Mas isto é apenas parte da equação. Pois para além da circunstância profissional, o que informa a visão do autor é seu raro realismo, sua lucidez cortante, sua cultura literária e seu humor mordaz. Para os pacientes, é uma situação mórbida ou trágica. Para os leitores, o ponto de partida para um livro irresistível. Trata-se, em primeiro lugar, de um livro abrangente. Nas palavras do autor – também formado em filosofia – “[são discutidos] a história infelizmente desprezada e ignorada da medicina, a natureza da discordância com a medicina alternativa, o efeito do placebo, a escassez de conteúdo científico na clínica médica, o fracasso das pesquisas contra o câncer, as idéias sobre a anatomia da pessoa mediana, a incrível superestimação do poder da medicina, as coisas que as pessoas fazem para apaziguar seu medo da morte, a maneira inescrutável como nossa mente se ancora no cérebro (ter uma mente – ser um corpo). Estes e outros temas estão entremeados às histórias de vida e de morte dos diversos personagens da narrativa”. Porém, sua abrangência não é apenas temática. O grande humanismo e a não menor inteligência do autor permitem-lhe tecer comentários sobre os mais variados assuntos sem nunca perder o vigor – ou seja, sem jamais cair no clichê. Incluindo a teodicéia (a justiça divina), a propaganda laboratorial, o anti-semitismo etc. Mas, principalmente, a eutanásia (hoje legal na Holanda). Tudo entremeado de citações de e referências a Dostoievski, Beckett, Proust, Wittgenstein, Kafka, feitas com pertinência, parcimônia, clareza e, sim, humor. Numa casa de repouso, às vezes é o paciente que quer morrer, às vezes são seus parentes que querem aliviar seu sofrimento. “Seu”, ou seja, do paciente, ou “seu”, isto é, deles parentes? A descrição dos diálogos e procedimentos é de um realismo que, se jamais é cru, até por força do estilo literário, é sempre agudo. E invariavelmente surpreendente, no modo como enfoca as minúcias instrumentais e alterna para as questões existenciais. Não há nada de horripilante, nada de semelhante a um filme de terror, mas muito de uma banalidade, esta sim, atroz. A verdadeira vítima deste livro é o senso comum.