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Sombra severa
Carrero, Raimundo
ILUMINURAS
65,00
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Sombra severa, do pernambucano Raimundo Carrero, retoma, renovando-a como ninguém fez até agora, a forte tradição do regionalismo, essa grande escola literária que o Brasil produziu. Mas não se pense nos pastiches (de Zé Lins, Graciliano Ramos e Jorge Amado) a que parecia ter sido condenada até hoje a literatura do Nordeste e de outras regiões do país. Longe disso. Embora sem conseguir esconder o sotaque, o romance de Carrero se filia a essa tendência exatamente por levar ainda mais adian te a simplificação e o despojamento que caracterizam o regionalismo, em oposição ao beletrismo vigente quando de sua aparição.
Se se quisesse, como referência circunstancial, citar um desses modismos tolos (simples apelos de venda) que não no s cansamos de importar, poderíamos falar em minimalismo. Mas só à guisa de referência, pois Carrero não vai nessa. Sombra severa escapa de rótulos, mesmo ao de regionalismo.
A história é, estilística e fabulisticamente, de um ascetismo bíblic o; não por acaso, os poucos personagens principais - Abel, Sara, Judas - têm nomes bíblicos. A trama envolve um triângulo - não se pode chamar de amoroso, mas de primitivas paixões - que tem mais que ver com o destino das tragédias gregas do que com sentimentos apenas humanos, mortais. Antes do vivê-los, os personagens parecem condenados a cumprir seus papéis, com quase nenhum - se é que têm algum - arbítrio. É uma história de traição e assassinatos, com justos e danados - ou seja, inocentes tod os.
Mas não é só isso. Da narrativa, foram retiradas todas as referências de tempo e lugar, de modo que nada há daquele pitoresco que, mesmo nas áridas histórias de Graciliano Ramos, ainda situam os personagens e a ação num determinado ponto e época da Terra. Em Carrero, o único ponto de referência que ainda subsiste - involuntariamente, crê-se - é um leve sotaque naturalmente acompanhado de requisitos da retórica nordestina. Numa tradução, até mesmo isso desapareceria.
Temperand o um pouco essa secura, Carrero lança mão do elemento mágico da cartomancia, que acentua ainda mais o clima de destino escrito dos personagens, com o poder de descrição das infinitas combinações das cartas, que causa aquela suspensão da descrença de que falam os críticos anglo-saxões.
Sombra severa, como se vê, é um romance que já nasce com dimensões de clássico.
Marcos Santarrita
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